No final do texto anterior havia sido comentado que daríamos prosseguimento ao assunto de ferramentas mas, uma vez que a métrica de quantificação das ferramentas é inteiramente dependente da matemática utilizada na resolução geral de conflitos do Mono, consideramos mais oportuno falar primeiro sobre essa matemática para, só então, voltar as ferramentas e a sua quantificação.

Fatores de Resolução

Antes de tratar propriamente de qualquer mecânica de resolução de conflito, é importante comentar que toda mecânica desse tipo se utiliza de um ou mais fatores de resolução. Os fatores de resolução são técnicas utilizadas para gerar um resultado quando uma situação na ficção gera dúvida a respeito de seus desfechos possíveis.

Existem três fatores de resolução: aleatoriedade, comparação e o gerenciamento. Vamos falar um pouco de cada um indo do menos ao mais utilizado.

O Gerenciamento, o menos utilizado dos três, consiste em dar o melhor uso a uma ou mais reservas de recursos disponíveis, no intuito de superar os desafios que o jogo apresenta. O grande problema de usar gerenciamento de recursos como método central de resolução é a dificuldade de gerar tensão. Pois, sem que haja algum nível de aleatoriedade envolvido, o jogador poderá escolher o momento em que vai falhar ou ter sucesso em uma ação.

Em geral, jogos que utilizam gerenciamento de recursos como parte da composição do seu método de resolução o fazem de forma secundária, ou seja, usando recursos para influenciar em resultados gerados utilizando aleatoriedade. No caso do Mono, essa abordagem acontece através das “quebras”, um uso muito específico de pontos de experiência do qual trataremos melhor depois.

A seguir temos a Comparação que, quando utilizada de forma direta, padece do mesmo problema de previsibilidade que afeta o gerenciamento, já que valores predefinidos são postos lado a lado para definir um conflito. Por isso, jogos que utilizam comparação costumam lançar mão de “blinds”, ou seja, escolhas feitas às cegas para gerar tensão. Um bom exemplo de jogo (não RPG) baseado em comparação às cegas é o Super Trunfo.

Quando utilizado em combinação com os lances às cegas, a principal desvantagem das comparações passa a ser a lentidão. O Mono não utiliza comparação da forma tradicional, sendo o conceito de “rótulo”, tomado de empréstimo dos jogos PBTA, o mais próximo disso na sua construção mecânica.

Como fator de resolução mais popular nos RPGs temos a Aleatoriedade. Isso se deve a sua capacidade inata de gerar tensão através da imprevisibilidade de resultados. No Mono, a aleatoriedade é base da mecânica de resolução de conflitos. Escolha que não só foi motivada pela sua capacidade de gerar tensão, mas também pela possibilidade de se resolver conflitos de forma mais acelerada e com menor fricção do que os outros métodos, gerando um jogo mais fluido.

É bom comentar que é raro que uma mecânica de resolução de conflito utilize qualquer desses métodos de forma exclusiva. O mais comum é vê-los combinados em algum grau e modificados por características e elementos ficcionais para se chegar a um certo resultado.

Mídias

Uma vez escolhida a aleatoriedade como base da mecânica central de resolução de conflitos, tivemos que lidar com qual aparato seria usado para implementar essa aleatoriedade. Uma mídia é um aparato utilizado para gerar uma saída aleatória, podendo variar enormemente tanto em formato quanto em quantidade.

Como mídia mais usada no RPG temos os dados, em segundo lugar baralhos, mas é possível se usar coisas como roletas, dominós, cronômetros, jo-ken-po e dezenas de outras. Cada mídia também pode ser usada de formas diferentes, gerando uma quantidade quase infinita de opções.

A escolha de uma mídia pode se dar por vários motivos, vamos examinar aqui alguns dos fatores que podem balizar essa escolha.

Estatística

Mais uma vez a matemática, e os efeitos da mesma sobre o sentimento geral do jogo, são um fator importante. Existem dois grandes grupos quando se fala de curva de probabilidade gerada por mídia:

Curva linear: Apesar de chamada de “curva”, essa configuração estatística na verdade é uma reta, onde o incremento é linear, ou seja, há uma mesma chance de se obter qualquer um dos valores possíveis da mídia. Um bom exemplo disso é o D20, usando no D&D, onde temos uma chance de 5% para qualquer valor.

Curva normal: Ao contrário da curva linear, uma curva normal trabalha com chances diferentes para cada um dos valores possíveis da mídia. Uma curva normal é gerada sempre que se trabalha com a adição de dois ou mais dados para se obter o resultado da midia. Como exemplo temos Gurps, que trabalha com a adição de 3d6 para gerar seus resultados.

O mais importante aqui é entender a diferença entre essas duas configurações. Na curva linear, onde a probabilidade de cada resultado individual sair é a mesma, inclusive o mínimo e o máximo, há uma sensação de fantástico mais acentuada, já que resultados muito bons ou muito ruins acontecem com um frequência igual a dos resultados médios.

Já na curva normal, onde os resultados médios tem uma chance muito maior de sair do que o mínimo e o máximo, há uma sensação de maior estabilidade, de “realismo”, já que resultados muito bons ou muito ruins acontecem muito raramente, o que nos dá a impressão de ser mais alinhado ao que acontece no nosso dia a dia.

Outra diferença a se notar é que, na curva linear, quaisquer modificadores aplicados sobre a rolagem terão um efeito também linear, tornando seu impacto mais fácil de entender matematicamente e o seu uso em escala menos problemático. Como exemplo temos que um +1 em D&D significará sempre um incremento de 5%, um +2 de 10% e assim por diante.

Enquanto na curva normal, modificadores podem representar um valor percentual diferente a depender do seu volume, o que os torna menos escaláveis e mais complexos de se entender matematicamente. Como exemplo, em Gurps com seus 3d6, um modificador entre +1 e +3 significa aproximadamente 9% de incremento, e partir daí o incremento por ponto começa a diminuir, correspondendo um +4 a apenas 7%, um +5 a 6%, um +6 a 5% e, partir de +10, temos incrementos de decimais apenas.

O resultado disso é que, na curva linear, há uma sensação de progressão mais intensa, sendo que cada bônus tem um efeito visível nas jogadas. Já na curva normal, acontece um efeito conhecido como rendimento decrescente, que faz com que, depois de um certo limite, a adição de mais bônus deixe de ter um reflexo perceptível. Sendo assim, a curva linear se apresenta como melhor opção para jogos que pretendem ter uma curva de evolução mais longa, e que pretendem escalar essa curva sem, necessariamente, ter um limite pré-definido.

Já a curva normal, se apresenta como melhor solução para jogos com uma curva de evolução mais curta, onde há um nível máximo a partir do qual evoluir mais não tem efeito significante. A curva normal serve melhor a ideia de representar um “limite humano” para habilidades além de, em geral, diminuir o abismo entre personagens, gerando risco mesmo ao enfrentar perigos mais “comuns”.

O Mono usa um tipo assimétrico de curva normal, resultado da utilização de múltiplos dados combinado a uma mecânica específica de contabilização que é popularmente conhecida por Dice Pool, pool de dados, ou poço de dados.

Conclusão

Uma vez entendidas as opções e os motivos da escolha de cada uma no tocante a mídia e a modelo de curva estatística, o próximo passo será analisar as opções de mecânicas de rolagem e suas variações. Mecânicas de rolagem são maneiras diferentes de utilizar uma mesma mídia, gerando resultados estatísticos diferentes, e servindo ao propósito de gerar certos sentimentos ou resolver problemas estatísticos que venham a acontecer em mecânicas específicas.

Esse será o tema do nosso próximo texto.