Até agora, com exceção de uma explicação anormalmente detalhada do motivo pelo qual fiz cada escolha, nada de novo ou inédito foi apresentado aqui. Tanto a ideia de Atributos quanto a de Competências são aplicações de conceitos comuns no design de RPG. Já a ideia de ferramentas é nova, as ferramentas são um arcabouço conceitual especialmente desenvolvido para dar suporte a lógica do Mono.

Um dos maiores problemas no desenvolvimento de um sistema está naquilo que atributos e habilidades não cobrem. Uma série de coisas que não são facilmente classificáveis e que, algumas vezes, nem sequer são passíveis de mecanização. Coisas como equipamento, riqueza, super poderes, magia e todos os outros “extras” que não são diretamente ligados às capacidades padrão do personagem.

Como os grandes fazem

Há inúmeras maneiras de lidar tudo isso, indo desde de ignorar totalmente tudo que não for atributo e habilidade, até dividir em enormes listas que indicam o que se pode ou não ter, e quanto vai custar. Normalmente se separa equipamentos em uma categoria, e é bastante comum dividir o que resta entre elementos positivos e negativos, com custos e/ou requisitos de aquisição. Nesse caminho estão as qualidades e defeitos em WOD, e vantagens e desvantagens em GURPS e 3D&T por exemplo.

Em outros jogos, como D&D, existem características atreladas a classe que são recebidas como recompensa com o passar dos níveis, não existindo uma contraparte “negativa”. Em Fate, a ideia se mistura com outros elementos para formar os Aspectos, que podem ser interpretados de maneiras diferentes, boas ou ruins, a depender do momento narrativo.

A primeira ideia seria ignorar todos esses “extras”, o que pode funcionar bem em jogos de gênero muito específico onde grande parte das características não cobertas é irrelevante para o desenrolar da trama. Na maioria desses jogos o equipamento recebe alguma distinção, e o resto é ignorado. Em alguns poucos se usa elementos positivos e negativos, mas o equipamento é ignorado. No caso do Mono, a proposta genérica modular descarta ambas as possibilidades.

A próxima opção seria limitar essas características a uma lista curta, pré definida e construída para refletir aspectos usuais do cenário/tema/gênero do jogo, atrelando-a aos arquétipos do personagem. Mais uma vez, essa solução pode funcionar bem em jogos com nicho específico, como D&D, mas para um jogo que se propõe a ser genérico seria inviável.

A seguir temos a maneira como GURPS lida com a questão, com uma lista extensa de características básicas expandida através de livros sobre temas, gêneros e cenários específicos, tentando cobrir o máximo possível de elementos. Acredito que a maneira como GURPS 4ª edição combina vantagens e desvantagens criadas de forma genérica com modificadores situacionais, chamados de ampliações e limitações, é o mais próximo de cobertura total que se pode chegar.

Infelizmente, navegar por centenas de páginas de conteúdo para conseguir encontrar o que se quer, e ter que lidar com custos variáveis, percentagem e outras questões matemáticas é o extremo oposto do princípio da Simplicidade Geral.

Cavando mais fundo

Porém, mesmo GURPS conseguindo um nível fantástico de cobertura, ainda me parecia que toda essa análise era feita muito caso a caso, sem uma lógica maior que permitisse extrapolar novas características de forma intuitiva. Comecei a pensar que deveria existir uma forma macro de classificar todos esses elementos extras, por mais heterogêneos que eles parecessem.

Para conseguir essa classificação, o primeiro passo foi remover a ideia de dano/vitalidade, e considerar os fatores que a compõe como elementos que influenciam o progresso rumo a resolução de um conflito. Ficou confuso? Eu explico.

Imagine um combate entre dois indivíduos vestindo armaduras e usando espadas. Vamos usar essa situação para embasar nossa análise daqui pra frente. Se nos perguntamos qual a função de uma espada aqui, e descartamos a resposta imediata que seria “causar dano”, com o que ficamos?

Do ponto de vista do Mono tudo, inclusive o combate, é um “Desafio”. Essa é uma palavra reservada que significa a intenção por parte de um personagem de realizar alguma coisa e, para a qual, existe algum tipo de oposição, algum fator que impede dele simplesmente ter sucesso de forma automática. Essa ideia vem de um dos pilares centrais, talvez o mais central, do desenvolvimento do Mono: a Planificação Máxima.

No Mono, “superar” um desafio é ter sucesso numa intenção. No caso de um combate, vamos assumir como intenção matar o adversário, sendo a consequência de uma falha no desafio ser morto por ele.

Partindo desse ponto, vamos olhar novamente para a ideia de dano/vitalidade. Causar dano seria, na verdade, avançar no sentido de superar o desafio, enquanto receber dano representaria um retrocesso nesse processo, ou seja, um “avanço” no sentido de falhar no desafio.

Tendo isso em mente, podemos nos aprofundar ainda mais nessa análise. Se a função do dano é influenciar na progressão de um desafio, e a função de uma espada é causar dano, então a função de uma espada é influenciar na progressão de um desafio. No Mono, todo elemento cuja a função é influenciar em um Desafio é chamado de Ferramenta.

Podemos refinar ainda mais esse ideia. Um homem lutando de mão limpas, ao acertar o adversário com um soco, causa um certo efeito (i.e. dano). Adicionar uma espada a essa situação terá como único resultado intensificar esse efeito. Podemos concluir então que uma espada, dentro da situação proposta é um Ferramenta de Intensidade.

Observe que o inverso também é válido quando pensamos em uma armadura. A função de uma armadura é reduzir a intensidade do efeito de ser acertado. Sendo, por tanto, também uma Ferramenta de Intensidade. A diferença entre os dois casos está no sentido da ação, enquanto a espada agrava a intensidade de um efeito, a armadura atenua essa intensidade.

Temos aqui o primeiro tipo de ferramenta do Mono. Também temos os indicadores de sentido: Agravante e Atenuante, para explicitar em que direção essa ferramenta opera. Apesar de não termos falado ainda sobre a mecânica central de resolução de conflitos do Mono, coisa que faremos em um outro momento, é fácil perceber que essas ferramentas serão usadas para influenciar no efeito final dessa jogada.

Mas alterar a intensidade de um efeito não é a única forma de um elemento externo ao personagem influenciar em um desafio. E se tivermos um equipamento de alpinismo, tornando menos árdua a tarefa de escalar uma montanha? Ou um veneno paralisante que dificulta o movimento, tornando as reações lentas? Para cobrir esses casos teremos um segundo tipo de ferramentas: as Ferramentas de Facilidade.

Uma Ferramenta de Facilidade influencia diretamente no quão difícil é executar ações em um desafio, sem tratar necessariamente da intensidade do resultado. Aqui também cabe um sentido, já que ferramentas de facilidade pode tanto diminuir quanto aumentar a dificuldade de uma ação. Dito isso, pode parecer um pouco estranho usar uma ferramenta para dificultar uma ação, mas a ideia se torna natural quando pensamos que ferramentas também podem ser usadas para influenciar ações de outros.

Por fim, temos uma situação em que o elemento em questão não influencia em um desafio de forma direta, mas simplesmente permite ou veda a possibilidade de uma ação ser executada na ficção. Para que alguém possa praticar paraquedismo é necessário um paraquedas, o paraquedas não ajuda ou atrapalha a ação e não influencia na intensidade do seu resultado, ele simplesmente é um pré-requisito para que ela ocorra. Esse é o último tipo de ferramentas, as Ferramentas de Viabilidade.

Conclusão

Compreendidos os conceitos base que permeiam a ideia de ferramentas, nos próximos artigos vamos tratar do seu uso como elemento de design e nos aprofundar no seu funcionamento. Também vamos propor uma forma de equilibrar o valor narrativo e mecânico das ferramentas através de parâmetros de custo.

Após tratar das ferramentas, vamos falar da mecânica central e, nesse caso, única de resolução de conflitos do Mono. Iremos rever o caminho que seguimos para chegar a essa mecânica e vamos começar a falar de mídia, modelo matemático e outros detalhes da construção.