Vamos falar sobre a segunda parte da divisão de características de personagem que pretende cobrir experiência e habilidades aprendidas em um certo âmbito da vida. Quase sempre essas habilidades estarão ligadas a uma atividade profissional, mas além delas não se resumirem a isso, também podem ser construídas a partir de outras experiências do personagem.

Competências

No Mono, segundo os princípios guia do jogo, em especial o princípio da Simplicidade Geral, decidi trabalhar com a ideia de grandes grupos de habilidade que refletiam experiência em um certo campo, o que chamei de Competências. Um personagem tem, inicialmente, o mínimo de uma e o máximo de três competências. Veja que é um número bem pequeno, e isso acontece porque cada uma das competências representa uma grande gama de habilidades mais ou menos relacionadas.

Para dar às competências o nível de ajuste que permitiria ao jogador representar as experiências de seu personagem com elas, também decidi que elas não seriam predefinidas, mas que seriam criadas pelo próprio jogador. A regra é que uma competência é um palavra ou frase que representa uma certa experiência. Representações genéricas como “Cavaleiro” e “Caçador” podem funcionar, mas o jogador é estimulado a dar a elas alguma conexão com a narrativa.

Esse estímulo acontece pelo fato de que uma definição mais específica quase sempre cobre uma gama de habilidades maior do que uma definição mais genérica. Enquanto “Sacerdote” pode trazer um si habilidades relacionadas ao conhecimento e prática de uma certa fé, “Inquisidor da chama branca” inclui as mesmas habilidades e adiciona várias outras, como a capacidade de investigar, de interrogar, conhecimento sobre a seita da chama branca, seus membros, os lugares onde atua, seus inimigos e aliados e etc.

É óbvio que esse modelo tem vantagens e desvantagens assim como qualquer outro. Como desvantagens mais perceptíveis temos a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de representar habilidades muito específicas ou tangenciais. Não é possível, a partir desse modelo, dar aos personagens pequenos toques de individualidade, como permitir que um grande detetive tenha algum talento com o violino, ou que um fuzileiro saiba tudo sobre a vida do Elvis.

Outro problema de se usar uma construção subjetiva para determinar o que um personagem sabe fazer é que, em alguns casos, não fica claro se uma competência cobre ou não uma certa habilidade. O quanto um oficial médico do exército sabe sobre comunicação segura? Um batedor de carteiras sabe usar armas? Se sim, o quão bem?

No Mono existe uma regra para mitigar esse problema: Se o narrador puder ser convencido de que uma competência cobre uma certa habilidade, o jogador pode utilizar o bônus total dessa competência para a ação em questão. Se o narrador achar que habilidade pode ser coberta, mas não necessariamente é, o jogador usa o bônus decrescido de um. Em qualquer outro caso o bônus de competência não pode ser utilizado.

Claro, existem outras alternativas para representar habilidades adquiridas. Eu poderia, por exemplo, seguir um modelo semelhante, mas usando grandes grupos predefinidos de habilidades afins. Aqui é importante entendermos um conceito que, apesar de estar ligado ao design de mecânicas de RPG em geral, permeia especialmente ideia de lista de habilidades, que é o conceito de granularidade.

Granularidade

Nesse contexto, é um termo que se refere ao quão específica uma habilidade é. Uma habilidade chamada “Combate” é muito geral, e tem baixa granularidade, seguindo no sentido de torná-la uma habilidade mais específica, mais granular, poderíamos dividi-la e ter algo como “Combate com Armas Brancas”, que poderia ser divida ainda mais para chegarmos a “Combate com Espadas”, o que poderia ainda dividir e ter “Combate com Espadas Curtas”.

Referências

Alta granularidade costuma levar a alta especialização, o que leva a um alto nível de individualidade, de diferença, entre personagens. Sistemas como GURPS 4ª Edição trabalham com esse conceito de poder representar cada habilidade da forma mais específica possível. Infelizmente, uma alta granularidade cobra o seu preço na necessidade de anotação, na complexidade na criação e evolução de personagem e no fato de que, mesmo com um número absurdo de habilidades predeterminadas disponíveis, sempre vai haver alguma coisa que não foi coberta.

Tanto D&D 5ª Edição quanto Vampire 5ª Edição trabalham, cada um a seu modo, com um nível menor de granularidade. Em D&D temos 18 grupos predefinidos de habilidades, e em Vampiro 27 grupos. Enquanto a granularidade menor e as opções predefinidas facilitam a criação e evolução de personagem, assim como também diminuem a necessidade de anotação, o problema de representação de pequenos detalhes do personagem já existe aqui.

Outro problema é a necessidade de uma explicação longa e complexa para cada grupo de habilidades, uma vez que nem sempre é possível deduzir pelo nome todos os campos de ação que um grupo cobre. A abordagem de grupos predefinidos de habilidades costuma funcionar melhor sistemas criados para um cenário/tema específico, que podem se dar ao luxo de ignorar habilidades que não existem ou não são importantes nesse cenário/tema.

Em outros jogos, como Fate, onde não há uma divisão clara entre habilidades intrínsecas e habilidades aprendidas, se trabalha com a ideia de múltiplos grupos criados pelo jogador. Como os grupos em questão não tem necessariamente que cobrir áreas de tamanho similar e nem tem uma quantidade limite, esse método resolve o problema da adição de pequenos detalhes.

Ainda vai persistir aqui a dificuldade de, em certos momentos, saber se um grupo cobre ou não um campo de habilidade específico. Além disso, ter grupos cobrindo campos de habilidade de tamanhos diferentes adiciona complexidade, é preciso alguma experiência na criação de personagem para conseguir balancear as escolhas de forma que, no fim, se tenha com o conjunto de habilidades equilibrado em relação aos demais jogadores.

Conclusão

Considerando tudo, a escolha de usar grandes grupos de habilidades em número reduzido me pareceu a mais coerente com o princípio da Simplicidade Geral, pois reduzia e fixava o número de elementos com os quais o jogador precisaria lidar. E, considerando o princípio da Modularidade Escalar, me pareceu mais fácil de imaginar palavras ou frases que possam servir de base para criar competências, e que possam ser incluídos em cenários específicos a título de sugestões e exemplos.

No próximo texto vamos falar de ferramentas, um conceito próprio do Mono.