Onde ninguém jamais esteve
A Nemo saiu de dobra num solavanco e todos os alarmes começaram a soar. Os sensores indicavam uma ejeção de massa coronal. A gigante vermelha que os havia chutado para fora do hiperespaço agora atraia a nave com seu campo gravitacional imenso. Os motores de empuxo estavam no limite, mas a nave continuou desacelerando até parar, então passou a mover-se em direção a estrela.
— Dá pra saltar para fora? — Lina lutava contra os controles.
— Partiria a nave ao meio — Nero mantinha o tom calmo enquanto desviava a força dos últimos sistemas não essenciais para a propulsão.
— Tá certo, mas a metade em que a gente tá ia escapar?
— Talvez, mas sem a carga e com o suporte de vida mínimo.
— Salto de emergência ao meu comando. Três, dois, um, saltar!
O ruído de metal se retorcendo, sendo rasgado pelo cabo de guerra entre as nacelas e a gravidade da estrela, só durou um instante. No momento seguinte, uma das metades da Nemo já estava a alguns milhões de quilômetros dali. Com exceção da cabine de comando, todo o resto da nave agora estava exposto ao espaço.
— Desliga essa merda de barulho — os alarmes ainda apitavam — Qual a situação?
— Ruptura total do casco, temos água e rações de emergência para duas semanas, mas a energia do suporte de vida só vai durar uma.
— Maravilha, não vamos precisar racionar. Resgate?
— Improvável. Saltamos para um ponto bastante distante das rotas comerciais, e as comunicações estão offline. O que é normal, considerando que o transmissor ficava na outra metade da nave.
Lina soltou-se do cinto, a gravidade artificial estava desligada. Lançou-se para cima conferindo sensores e painéis para descobrir o que ainda estava funcionando. Nero também soltou-se, alcançou um pad de dados e começou a remexer os armários da cabine de comando. O espaço era estreito, três metros por três.
— Tá fazendo o que, Nero?
— inventariando. Quero saber se houver itens de alguma utilidade por aqui.
Não tinha sobrado muito. Só os trajes que vestiam, os capacetes, mantimentos de emergência e algumas ferramentas. Ao terminar o inventário e o relatório de danos, os dois voltaram aos assentos. Lina removeu a parte de cima do macacão exibindo mais da pele lisa, azul e emborrachada.
— Nero, diminui o aquecimento. Vai economizar energia.
— Desculpe, mas os morizons precisam de temperaturas acima de vinte e seis graus para serem funcionais. Os cálculos da nossa autonomia já foram feitos considerando esse valor.
— Por isso essa cabine tá sempre um forno…
Os dois não se conheciam muito, estavam juntos a menos de um mês, desde a saída do antigo companheiro de Lina. Precisando de um bom navegador, ela espalhou a notícia e acabou encontrando o morizon taciturno num bar em Alberda. Nero, além de tudo, era um bom mecânico, e precisava de uma carona.
Passaram os cinco dias seguintes distraindo-se como era possível. Tinham mantido, até ali, a conversa num nível impessoal. Mas os assuntos técnicos começaram a escassear, e é difícil evitar intimidade quando se é obrigado a usar o banheiro na frente de alguém. A cetia avançou primeiro.
— Foda-se, eu sei que é falta de educação, mas a gente vai morrer mesmo. Eu vou perguntar: Você é macho ou fêmea, Nero? Eu sei que os morizons são biologicamente binários.
— Macho.
Nero estava visivelmente constrangido, sua raça não apresentava dimorfismo sexual, todos os indivíduos pareciam idênticos aos olhos de outras espécies. Lina, ao contrário, era claramente feminina. As fêmeas cetias, além de um corpo mais curvilíneo e menos musculoso, cobriam os dois pares de mamilos e suas bases protuberantes. Os machos os deixavam à mostra.
— E como é que funciona a reprodução de vocês? — Lina sorriu. Ela se deliciava com quão incômodo o assunto era para o parceiro.
— Somos ovíparos.
— Ah, deixa de ser chato. Como é que funciona? Vocês formam casais? Trios? Vocẽs só copulam para se reproduzir ou por diversão também? Só precisa de dois cetias para reprodução, mas filhos não são nem de longe o motivo principal da gente fazer isso, por isso nossos grupos de afeição costumam ter várias pessoas.
— Perdão, mas eu não acho…
— Nossa, agora fiquei até triste, a última vez que eu me diverti com alguém já faz um tempão. Se eu soubesse que ia passar dessa pra melhor tão cedo, teria aproveitado mais. E você? Quando foi a última vez?
— Nunca… — Nero olhava pra baixo — O meu primeiro ciclo seria agora, por isso eu estava voltando para Morizon.
A expressão inabalável de alegria no rosto de Lina desapareceu por um momento, mas logo retornou com força total. Os cetias tinham um sorriso muito singular, sua boca larga perfazia a metade da circunferência do crânio, era o maior sorriso do espaço conhecido. Ela livrou-se do resto do macacão e aproximou-se de Nero por trás, envolvendo-o com seus braços roliços e azulados. Ele olhou por cima do ombro, a falta de bochechas não lhe permitia sorrir propriamente, mas o fazia com os olhos.
— Com certeza Orcan me expulsaria a chutes do mar eterno se alguém morresse virgem por minha causa — Ela desceu uma das mão para dentro da roupa de Nero, sentindo as escamas lisas dele — Me fala, como são as preliminares de vocês? Você deve ter pelo menos uma ideia, né?
— Nós enrolamos as línguas, e as caudas. O calor do atrito na base da cauda é muito… estimulante.
A língua de Lina era muito curta e larga para se enrolar em algo, e ela não tinha uma cauda, mas isso não a deteria. Deu a volta e puxou o morizon para fora do assento, livrando-o do macacão e enlaçando-o com as pernas.
— Eu tenho algumas ideias de onde você pode enrolar a sua língua — Tirou o top e guiou a boca dele até seus mamilos. Agarrou-lhe a cauda, acomodando-a entre as penas. O calor natural da região arrancou de Nero um som de ronronar.
Quando o alarme do nível de oxigênio soou eles ainda exploravam as curiosidades anatômicas um do outro. Lina ficou surpresa ao descobrir que os genitais dos morizons eram duplicados e que, para acomodá-los, teria que fazer um uso inédito de alguns orifícios.
Restavam a eles menos de uma hora de ar quando um cargueiro Prion os descobriu por acaso. Foram retirados dos restos da Nemo já quase sufocando, com frio, e desidratados, mas com os níveis de endorfina ultrapassando todas as escalas.