— Eu não sou real, Osvaldo.
— Como assim?
— Como “como assim?”, Osvaldo? Eu não existo, não sou real, você me imaginou. Eu só existo na sua cabeça… quer que eu desenhe? — Como é? Você não existe? Tipo aquele filme “A Mulher invisível”?
— Não, Osvaldo, não é tipo “A mulher invisível”, a gente não tá numa comédia romântica picante. Eu não vou dar pra você em lugares públicos nem nada parecido. Tô dizendo que eu não sou real, e se você está falando comigo agora isso é uma prova contundente de que, no mínimo, você tem sérios problemas psiquiátricos.
— Ah! Mas peraí… a gente tá junto há mais de um ano. Eu levei você pra conhecer meus pais. Eu conheço seus pais! Como assim você não existe?
— Osvaldo, você não tem pais, você é órfão. Foi criado num orfanato e provavelmente te maltrataram quando você era criança. Aí você deve ter bloqueado tudo e inventado essa fantasia de família perfeita, namorada perfeita, sei lá.
— Calma aí Vânia. Tá, tudo bem. Se você tá dizendo que não existe e tal a gente pode até conversar, mas conta essa história direito. Como assim eu não tenho pais? E a nossa festa de natal? Minha família, você, eu e o Julhão lá na casa da serra?
— Pois é… nenhum deles existe. Nem sua família, nem eu e nem o Julhão.
— Mas eu conheço o Julhão desde a época da faculdade, pô. Ele é como se fosse um irmão pra mim…
— Você não fez faculdade Osvaldo, aliás esse seu emprego de contador ai também é imaginário, viu? Não tenho ideia de quê que você vive. E, além de esquizofrênico você é corno, pois naquela festa de natal lá eu te trai com o Julhão.
— Como é, Vânia? Além de tu dizer que o meu melhor amigo não passa de fruto na minha imaginação, tu ainda tá dizendo que deu pra ele? E se ele não existe e nem tu existe, como é que tu pode ter me traído?
— Sei lá Osvaldo, eu não entendo de análise. Só sei que tu é tão, mas tão doido, que na tua cabeça, subconsciente, sabe como é essas paradas?, tu me imaginou transando com o Julhão no teu quarto de criança. Tipo, Julhão me pegando de jeito naquela caminha lá. Até derrubamos aquela tua escultura de palito da quarta série que tu guarda com tanto carinho.
— Porra! Então foram vocês que quebraram minha escultura de palito?! Cês me metem um “par de galha” e ainda quebram minha escultura?! Foi primeiro lugar na feirinha do colégio! Único primeiro lugar que eu já tirei na vida, caralho!
— Desculpe, Osvaldo, não foi culpa nossa. Foi sua mente distorcida que criou toda essa situação bizarra. Não tente jogar a responsabilidade da sua decadência em pobres reflexos da sua imaginação.
— Ok… ok, — Osvaldo respirou fundo — Então se tu não existe… a minha vida não existe… certo, e por que tu veio me jogar isso na cara agora? Qual é tua intenção com isso?
— Osvaldo, Osvaldito querido, eu tô cansada. Cansada de você. Acho que esse nosso relacionamento imaginário não dá mais pra mim Osvaldo, nossa relação não evolui.
— Não evolui? Como assim?
— Não sei Osvaldo, sinto que não é sério, sabe? Eu quero alguma coisa mais real.
— Pô Vânia, o que que você quer de mim? Eu mudei tanto por você, parei de beber, parei de pegar piriguete na night, tava até juntando pra comprar um anel pra te pedir em noivado…
— Noivado? Sério? Você ia mesmo me pedir?
— Ué? Ia né? Vânia, eu te amo pô, eu nunca senti isso por ninguém, desde aquele dia em que tu veio aqui, a gente descobriu que tu também curtia aquela banda islandesa lá. Depois a gente teve aquela noite… porra Vânia, aquela noite… e não foi só pela foda não, que mulher boa de cama já peguei muita. Mas o papo que rolou Vânia, a vibe…
— Olha, Osvaldo, eu gosto muito de você. Você sabe que eu só existe quando tô com você… mas não dá mais não, foi mal. Você é muito especial, e eu poderia até dizer que você vai encontrar uma pessoa especial que te entenda e tals, mas eu acho que psiquiatra não pode se envolver com paciente — Vânia riu debochadamente.
— Sua puta! Eu aqui abrindo meu coração…
— Desculpa Osvaldo, mas eu vou viver com o Julhão…
— Mas o Julhão não existe porra! Ah, vai à merda! Tô discutindo com uma rapariga que nem existe! Se quer ir embora Vânia, se acha que encontra coisa melhor, pode ir! Porta da rua serventia da casa!
— Não, Osvaldo! Ele não Existe! Mas mesmo sem existir ele é muito mais homem que você, seu esquizofrênico brocha!
— Brocha o caralho! … Foi só uma vez…
— Vânia saiu batendo a porta deixando Osvaldo para trás. Ele se recostou na parede com as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, e começou a soluçar.
— Filhos da puta…Quebraram minha escultura de palito…