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Eventos exóticos, é assim que são chamados. Obviamente esse era um termo emprestado de um protocolo da inteligência militar americana. Não existiam planos, ou algo nessa linha, para lidar com esse tipo de coisa aqui. Nosso exército era, e ainda é, basicamente decorativo. Nossa agência de inteligência até hoje é uma piada.
Quando nos deparamos com as primeiras ocorrências de eventos dessa natureza na década de setenta, no Pará, foi um “Deus nos acuda”. O COMAR, a SNI, e o CISA, os órgãos de origem de todo o pessoal convocado para investigar as ocorrências na época, existiam para caçar comunistas, não estavam preparadas para lidar com essas coisas. Também, convenhamos, num país onde a maioria da população sequer tinha acesso a saneamento básico, havia outros problemas mais concretos com os quais nos preocupar.
Foi aí que o nosso “mui amigo” Tio Sam se ofereceu pra quebrar mais essa pra gente. Eles tinham ganho muita experiência no assunto desde quarenta e sete, com a história de Roswell, e em quarenta e nove já possuíam uma unidade com o intuito exclusivo de cuidar de eventos considerados fora do comum. Fizemos um acordo.
Em troca de informação, e de ceder a eles a posse de qualquer evidência com potencial estratégico, eles nos enviaram homens, equipamento, e treinaram uma unidade especial para lidar com a situação. Depois de um período inicial agindo diretamente sobre o comando dos americanos, a aeronáutica assumiu o controle. A unidade foi reorganizada e dispensou a maioria do pessoal estrangeiro, substituindo-os por uma combinação dos melhores das agulhas negras com alguns poucos oficiais de comando altamente respeitados. E assim nasceu a Agência de Resposta Especial, ou ARES.
Sempre achei um nome meio estranho, como se alguém tivesse forçado a barra só para conseguir uma sigla legal. Mas, um tempo depois, fiquei sabendo por um dos generais de pijama que a ideia do nome era mesmo ser o mais genérico possível, pois assim ninguém prestava atenção quando aparecia nos documentos. Durante o governo militar passamos por mais uma agência de repressão e, depois da redemocratização, estava todo mundo muito perdido. Se alguma coisa não chamava a atenção de cara, ninguém questionava.
O Geisel foi o responsável pelas negociações com os EUAs para a criação da agência, inclusive acompanhou de perto os primeiros anos de atividade. Quando o Figueiredo assumiu, recebeu a instrução do Walter Pires, o ocupante do ministério da defesa na época, quando ainda se chamava ministério da guerra.
Mas quando o Sarney entrou, muita coisa dos governos militares foi esquecida, perdida em gavetas, ou varrida pra baixo do tapete, e a Ares virou uma nota de rodapé numa planilha de custos. Aliás, esse é um dos motivos pelos quais somos tão independentes. Pelo ato de criação, éramos subordinados diretamente à presidência militar e ao ministério da guerra. Como, a rigor, nenhum dos dois existe mais, ganhamos uma certa autonomia burocrática.
Mesmo com o novo regime democrático, a proximidade dos primeiros governos civis com os americanos ainda era grande. Através de um canal exclusivo no Itamaraty mantido, à época, por um oficial da agência pertencente ao quadro de diplomatas, mantivemos um contato intenso com a CIA. Mais especificamente com a Thirty One Section, como eles chamavam, a divisão da CIA responsável por realizar o mesmo trabalho que a gente por lá. Durante toda a década de noventa fomos atualizados com inteligência e recursos pelos gringos.
Obviamente, eles não faziam isso de graça. O caso de Varginha por exemplo, apesar de ter virado aquele circo nacional, considerando o fato de ainda estarmos dando os primeiros passos na arte da manipulação de informação, rendeu um corpo, além de um espécime vivo. Ambos foram despachados de Campinas para sabe lá deus onde eles guardam essas coisas nos EUAs.
A ARES tem duas funções, a primeira é catalogar informações sobre todo e qualquer evento inexplicado relevante. Digo “relevante”, porque só tratamos de eventos massivos, com mais de uma testemunha e quantidade considerável de evidências materiais. Assim como qualquer outra divisão do governo, não temos orçamento nem pessoal para cobrir todas as ocorrências em território nacional.
A outra é responder rapidamente a eventos. Em geral, isso resulta em missões de busca e apreensão, mas também pode envolver eliminações. As equipes mais antigas, principalmente as ativas durante a ditadura, não tinham pudor em eliminar quaisquer civis envolvidos nos eventos.
Mas, com o tempo, a contenção de informações passou a ser feita por descrédito ao invés de silenciamento da fonte. Quanto mais fantástica é a revelação, menos o público acredita nela. Isso, em conjunto com uma ridicularização sistemática do tema, é mais eficiente e chama menos atenção. Ações extremas ficaram reservadas apenas para casos muito sensíveis. As nossas missões de eliminação, hoje em dia, se restringem quase sempre a alvos muito perigosos, impossíveis de neutralizar ou de capturar com vida.
Uma das exceções foi o Coronel Holanda. Ele foi um dos primeiros membros da unidade especial na década de setenta e acompanhou a trajetória da agência por quase trinta anos. Inexplicavelmente, ele resolveu conceder uma entrevista confirmando informações oriundas de um vazamento desastroso de documentação causado por um subsetor da FAB.
Holanda não era um oficial qualquer, havia feito parte da alta cúpula da agência por anos e tinha conhecimento de praticamente todas as operações já realizadas desde do seu recrutamento no Pará em setenta e sete. Ainda estávamos lidando com a repercussão do caso Varginha, e uma ponta solta dentro de casa era inaceitável. Mas Holanda tinha família, então conversamos com ele sobre como tudo aquilo era perigoso, e sobre os riscos envolvendo seus entes queridos. Era tarde demais pra ele se retratar, a pressão nunca diminuiria mesmo com ele saindo da mídia, então fomos obrigados a sugerir uma retirada mais definitiva.
E isso nos traz ao senhor, general. Nunca na história desse país, creio eu, houve um ministro da defesa tão criterioso quanto o senhor. Rastrear nosso orçamento diluído em sete divisões diferentes nos três ramos das forças armadas. Conseguir, sabe lá deus como, fazer a conexão disso tudo a um nome de alguém sem nem um comissionamento oficial desde oitenta e três. O senhor deveria ter seguido a carreira de contador ou de detetive particular.
Enfim, seria perda de tempo da minha parte pedir para o senhor ignorar nossas atividades como todos os seus predecessores fizeram. Infelizmente o senhor não é casado, não tem irmãos e seus pais já são falecidos. Não creio ser possível para nós obter qualquer garantia do seu silêncio. Acredite, eu sinto muito por as coisas terminarem assim, mas o senhor fez seu trabalho bem demais.
— Qual vai ser a manchete, capitão?
— Um homem de mais de sessenta anos, sem esposa… A história vai ser que ele era apaixonado pelo próprio secretário. Foi rejeitado, matou o pobre rapaz e depois se matou.
— Ok. Barbosa, traz o colete de suicídio…