Lamúrias
Sempre achei curiosa a atração das pessoas pelas lamúrias alheiras. Não para ouvi-las, é claro, isso é entediante, mas para lê-las. Incluo-me nisso. Gosto de ler sobre os desastres cotidianos dos outros, de preferência mascarados com um toque de humor por uma boa prosa. E eu, que não faço isso a sei lá quantos anos, hoje vim me lamuriar.
Vou fazê-lo de um modo críptico, omitindo os fatos. Tomo esse caminho por dois motivos: primeiro, porque já não tenho a coragem necessária para expor minhas vísceras na internet. Segundo, porque, mesmo se possuísse a coragem, escrever as coisas nuas e cruas, como elas são, deixaria tudo muito deprimente. Tenho de pensar no entretenimento do leitor.
Porque hoje? Bom, hoje foi um dia especial, porque nele tomei uma decisão especialmente idiota. Contra tudo que pago ao meu psicólogo para me dizer, decidi, sem motivo aparente, abrir as portas da minha saúde mental para o passado. Resolvi desenterrar um caixão para ver se o defunto ainda estava morto e fedia.
Curiosos? Sim, estava morto e sim, fedia desesperadamente.
O problema, meus amigos, é que o passado não perdoa visitas. Quase no mesmo instante, fui tomado pela mais terrível das consequências: o buraco negro “do que poderia ter sido”. Uma espiral pegajosa que te arrasta para um lugar onde você revê todos os seus erros, acertos, e aquelas ações das quais você não tem certeza da índole, e imagina mudanças, alternativas, possíveis desfechos diferentes.
Você se perde nesse labirinto por horas e horas, e no fim, a conclusão é sempre a mesma: É inútil. Tudo passou, a vida seguiu e agora você está aqui, neste momento, neste lugar, com o que você tem. Nada vai mudar isso. Quer dizer, claro, em tese você pode mudar o futuro, mas só muito em tese. É raro chegar aos quarenta sem ter em si uma boa medida de covardia, vem junto com as dores nas costas.
O meu caso, ouso dizer, é mais grave. Eu não espero que ninguém acredite, mas a sincronicidade do universo tem uma maneira toda especial de se apresentar a mim. Em suma, as forças cósmicas me consideram uma piada. Nunca desperdiçam a oportunidade de colocar no meu caminho uma série esdrúxula de coincidências que, a todo momento, cutucam a ferida.
Ha Ha, universo. Muito engraçado.
Somado a isso, há uma sensação forte de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Se pode arrumar novos empregos, novos amigos, novos hobbies e novas paixões, mas há certas coisas que não acontecem com muita frequência na vida. Você tem sorte se, sequer, acontecerem na sua.
A última passagem do cometa Halley foi em fevereiro de 1986. Eu tinha quatro, e eu vi. A próxima será em 2061 e, se eu estiver vivo para ver, terei oitenta e um anos. Mas, naquele ano de 1986, se você era mais que um adolescente e não viu o cometa, a estatística sugere que estará morto quando ele passar novamente.
Não sei se verei um segundo Halley. Mesmo que veja, se demorar muito, com a vista escurecida pelos anos, não creio que vou poder aproveitar todo seu esplendor. E é isso, amigos, que me assombra.