Sinto-me pouco contemporâneo, cheguei a essa conclusão. Passei um tempo pensando sobre a natureza desse sentimento e percebi o abraço apertado que ainda me prende ao passado. Consegui entender melhor o motivo de eu gostar tanto de ambientar meus textos cinquenta, sessenta anos atrás, sem celulares, sem internet, e a uma distância confortável e analítica dos fatos. Eu estou desligado do hoje, do agora, pelo menos em parte.

Não sei se vale a pena tentar avaliar os motivos, mas com certeza tem a ver com conexões. Ainda me debato com como as pessoas se conectam hoje, com o quão líquidas, para usar um termo da moda, e virtualizadas essas conexões são. Líquidas, no sentido de fluírem, de serem imprevisíveis, não determinísticas; e virtualizadas pela própria natureza do mar de elementos necessários para se compor uma imagem de alguém.

Antes, delinear uma faceta de um indivíduo era relativamente simples, a informação era filtrada pela presença, “Você é aquilo que você é quando está aqui”. Agora, a presença não filtra mais nada, as pessoas estão fragmentadas em milhares de pedaços pulverizados na virtualidade. Para pintar até mesmo o retrato mais parcial, é necessário navegar por essa imensidão, quase sempre sem uma bússola.

A minha geração viveu a transição, saiu de um mundo desconectado para o mundo atual. A depender da idade, muitos de nós forjaram seu próprio eu numa era diferente, e foram obrigados a se adaptar à era seguinte. Não somos nativos desse momento e, talvez exatamente por isso, a nossa capacidade de nos conectar a ele seja defeituosa.

Adora usar esse plural: nós. Faz soar como se o problema não fosse meu, pessoal e intransferível, mas sim de toda uma categoria de pessoas. É mentira, claro. Uma mentira a qual é difícil resistir. Mas resistamos, ou melhor, que eu resista, voltemos ao “eu”.

Devido a esse descompasso, tudo o que escrevo carece de visceralidade, parece antigo, um causo contado por alguém. Isso não torna minha literatura necessariamente ruim, é possível emocionar mesmo escrevendo descompassado. Só a torna velha, e isso me incomoda sobremaneira. Inclusive, essa palavra, “sobremaneira” é um sintoma.

Eu até acho possível chegar à contemporaneidade, caminhar nesse sentido, mas essa estrada parece passar, invariavelmente, por experiências, por viver mais. Pelo menos neste momento, não consigo fazer isso. As minhas experiências íntimas, toda a dor e o deleite passíveis de ser jogado numa página, tem lá os seus vinte anos ou mais.

O intuito desse texto não é encontrar uma solução para esse problema, é um texto sobre inveja, a inveja que tenho dos contemporâneos. A inveja que tenho dessa gente localizada, sincronizada com seu tempo, não só por ter consciência dos dramas desse tempo, mas por ser parte deles, por tê-los na pele.

Eu, por outro lado, vou falar de quê? A lista é extensa, complexa e variada, mas, para o meu desgosto, cheira a guardado.