“Tudo na vida passa”. Se é verdade, não deveria passar. Tenho avidez por permanências, por tempo duradouro, por qualquer coisa capaz de me fazer sentir menos à deriva no espaço das viradas dos ponteiros do relógio. Eu preciso que algo não passe, não desapareça sem eu sequer saber o porquê. Mas, mesmo assim, tudo, aparentemente, continua passando.

A infância passa como um sonho ou, às vezes, como aquele lugar entre o sonho e o despertar. Tão vivido quando abrimos os olhos, mas já desaparecendo na névoa um momento depois. Com ela vão todas as certezas infantis, um universo desconhecido, com infinitas possibilidades, morre rapidamente diante de revelações desenfreadas, da desmistificação de todos os ocultos, eliminando impiedosamente até a última gota de ingenuidade. Qualquer esperança de uma manhã flutuando em direção ao horizonte, pegando a segunda estrela à direita, e seguindo reto até o amanhecer, também se esvai.

E com a infância passam outras coisas. A casa da avó passa, com seus cheiros e sabores, com seus mimos e tesouros escondidos na velha caixa de costura. Passam os carinhos e cafunés, o copo de leite antes de dormir, o beijo de boa noite e o ajeitar do cobertor. Passam as histórias verdadeiras, e as não tão verdadeiras assim. E após o passar de todas essas coisas se instala a sensação de ser visita, ou a de nem mais visita poder ser, quando os avós fatalmente passam.

Passam as amizades infinitas, as juras de ódio eterno em meio a disputas pelos brinquedos. Os namoros e casamentos com a duração de um recreio. Passam os minutos que duram uma hora, e as horas que duram uma tarde. O tempo passa a passar de forma desagradavelmente objetiva.

Sem mais espadas mágicas ou heróis, os finais felizes passam definitivamente.

Passam os pais, deixando de ser senhores do mundo, infalíveis e perfeitos. Transformam-se em meros mortais, mesquinhos, com contas para pagar, contestáveis.

As máscaras passam. Não só as belas, mas também as terríveis e horrendas, as assustadoras e impenetráveis. Tornam-se velharias débeis num mundo onde tudo encarquilha, fica inútil, tudo acaba.

Passam os amores, e esses com muita pressa. Mas, infortúnio, passam para cada um em velocidades diferentes. Um mês, um ano, uma hora, uma noite. Qualquer instante basta para assassinar um coração a golpes de dores transitórias. Mas, se tudo passa, corações mortos não são nada além de uma morte adiantada.

Vejo tudo passar, todos passarem. Mas eu mesmo sou lento, pantanoso, ponto ultrapassado pelo resto do cosmos no seu afã desesperado por passar. Solitário, desfruto da brevidade obrigado, por falta de opção. Também vou passar, eu sei. E, quando passar, não farei diferença no trânsito das coisas, pois, há muito, todas elas já terão passado por mim. Serei um passante inócuo.

No fim, não dói apenas a falta, mas, muito mais, a compreensão do erro ser eu, de que o certo das coisas é passar. De que, a revelia do meu desejo de deter o avanço vertiginoso de tudo ao meu redor, sempre será tarde demais. Essa tarde já passou, vinte e seis anos já passaram, dois anos já passaram, quatro dias já passaram, e até essa frase acaba de passar.